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Crônicas do Crimeia

Atualizado: 8 de dez. de 2023

por Ricardo Edilberto



O homem que assustava.

Contava ainda poucos anos de vida quando retornei ao Crimeia. Nasci no bairro, mas minha família mudou logo depois para a Nova Vila. Ao voltarmos, tinha eu pouco mais que os dedos da palma de uma mão de idade. Pouco, mas suficiente para guardar na memória aquele ar poeirento, que de tanto respirar deixavam enrijecidos os cabelos do nariz. Acompanhei todo o processo do sumiço dessa poeira, a terra sendo escavada, as manilhas gigantes onde brincava antes de serem enterradas, as enxurradas nas quais adorava correr em cima chapinhando o pé na lama, o piche encapando as ruas, cobrindo as cenas de um antigo Crimeia e pavimentando seu novo caminho.


Cresci vendo a Augusto Paranhos, rua onde morava, sofrer essa mudança. E nessa mesma rua tinha um homenzinho que também acompanhou todos esses acontecimentos. Ele ficava ali, sentado no banco de madeira embaixo do pé de guatambu, como quem não quer nada, aguardando as vítimas desavisadas para aprontar suas peripécias. Às vezes, eu ficava observando, esperando pra ver o momento em que ele dava o bote. Certa vez, duas mulheres passavam pela rua, tagarelando sobre sei lá o quê. Entretidas que só, eram prezas fáceis para Seu Pedro. Ele chegava por trás, barulhava arrastando sua enxada no chão e "au au au au", latia como um desses cachorrinhos chatos que adoram morder calcanhares. E eu, no meu cantinho, rindo à beça.

Pai da Divina e sogro do Divino, Seu Pedro tinha uma alegria maravilhosa. Adorava tocar uma sanfona que soava algo nada parecido com música, mas fazia isso com tamanha expressão de felicidade que dava gosto de ver. Recitava um cordelzinho, alguma coisa que rimava com gia e outras poesias, nos deixando encabulados com seu pouco estudo e grande sabedoria. É desses personagens de infância que, vez por outra, saltam em nossa mente inspirando bons pensamentos. Desses que todos nós temos. Basta dar um tempinho nas preocupações e deixá-los aparecer.



Ricardo Edilberto ou Ricardo Crimeia ou Ricardo Pereira.

Jornalista de formação, publicitário de vocação e artista de coração. Trabalha há 21 anos como redator, diretor de criação e consultor de comunicação em agências de publicidade de Goiás, sua terra natal, e de outras regiões do país. É criador e Diretor Geral do Juriti – Festival de Música e Poesia Encenada. Na área cinematográfica, dirigiu os curtas-metragens A Onça da Mão Torta, Melhor Direção de Arte do Prêmio ABD/GO, e Canto do Rio – Uma Convivência Pós-Várzea, Melhor Filme pelo Júri Popular da Mostra Nacional de 2016 do FAVERA. Pelo jornal O Crimeia, escreveu a coluna Crônicas do Crimeia, que pretende publicar em livro, se possível, antes de morrer. São mais de 20 crônicas sobre personagens do Crimeia Leste, bairro de Goiânia onde nasceu e cresceu, sem nunca ter conseguido cortar o cordão umbilical.

Ricardo Crimeia é o publicitário. Ricardo Edilberto é o artista. Ricardo Pereira é quem harmoniza a convivência entre os dois, pra que não briguem, pois são muito diferentes.



Apresentação:




“Este projeto foi contemplado pelo Edital de Arte nos Pontos de Cultura Aldir Blanc - Concurso nº 02/2021-SECULT-GOIÁS – Secretaria de Cultura - Governo Federal".


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