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MÁRCIA, UMA MULHER DE RESPEITO

Atualizado: 5 de dez. de 2023

Resgate do Jornal Crimeia

Durante os dias que fui ao Centro de Beleza Dystak no Setor Criméia Leste, onde Márcia construiu parte da sua história, vi senhoras, crianças, jovens, mulheres e homens; todos procurando os serviços da cabeleireira Márcia. Todos queriam melhorar a sua aparência externa, e acredito que, assim como eu, também se sentiram bem internamente.

Márcia recebe a todos com música suave e sempre com um sorriso aberto de quem deu “a cara a tapa” desde que se entendeu por gente no gênero feminino. E isto ocorreu quando era praticamente uma criança aqui no Setor Criméia Leste. Portanto, quem o conheceu José Antônio, ou Zezinho, como eu, respeito é bom, o nome dela é Márcia.

Nesta entrevista realizada no dia 27 de abril de 2010, poucos dias antes do seu aniversário, 1 de maio, dia do trabalhador, a determinada taurina Márcia, ainda uma batalhadora de 42 anos, fala de forma franca sobre toda a sua luta para ter o direito de ser mulher. Como ela mesma diz: “não tinha outro jeito, eu nasci mulher”.

Acredito que o material que conseguimos na entrevista, traça bem o perfil desta mulher guerreira, e também esclarece algumas dúvidas sobre a sua sexualidade que pairam na comunidade crimeiense. A todos, desejo uma boa leitura sobre a história fascinante desta pessoa guerreira, nascida e criada na região, e que merece todo o nosso respeito pelo respeito que ela dispensa a todos, sem nenhum preconceito.

Carlos Pereira, abril de 2010.


Jornal Criméia - Preconceito, como foi isto na sua vida, o preconceito?

Márcia – Foi uma coisa difícil quando eu vivi. Hoje, passado o tempo Carlos, a gente vê que preconceito é uma coisa de cultura, preconceito é cultural. Conforme você estuda, viaja, você vai vendo que gente mais evoluída não tem preconceito, preconceito é de cada um. Eu sofri, mas hoje eu vejo que eu sofri bem menos do que eu poderia ter sofrido, eu fui muito irreverente, fiz muita coisa que aos olhos da sociedade era coisa muita errada...

Jornal Criméia - O quê, por exemplo?

Márcia – Andava quase pelada na rua. Eu tinha as pernas bonitas e queria mostrar, como você mesmo lembra disso né. Então, aquilo tudo, ser gay na época, década de 80 que eu tinha 15 anos, 20, 25 anos atrás, era coisa de outro mundo, era diferente , as pessoas não viam gay de perto, só viam na televisão. Eu enfrentei família, pai, mãe, escola, todo mundo e me vestia daquela forma mais feminina. Então isto era diferente, e o que é diferente é preconceituoso; as pessoas têm preconceito com tudo que é diferente, depois que as pessoas conhecem você (frisa bem), as pessoas deixam de achar que é anormal, você não vai ficar vendo a mesma coisa todo dia, então fica comum.

Jornal Criméia - Quando você começou a sentir que você era diferente? Que você queria outra coisa na sua vida, já que você nasceu com o sexo masculino.

Márcia – E não senti que eu era diferente, porque na minha cabeça, eu era mulher, nasci mulher; então toda a vida eu sabia que era mulher, os outros que ficavam me lembrando que eu era homem, eu não sentia que eu era diferente, eu era normal, eu era mulher, só que infelizmente o sexo biológico era diferente do meu sexo psicológico, e as pessoas não conseguiam entender isso, isso que é diferente pros outros; as pessoas não saber antenar sexo biológico com sexo psicológico, psicologicamente falando eu era mulher, eu sou mulher. Eu penso, ajo durmo, acordo como mulher. Eu durmo de camisola, uso calcinha, sutiã, anágua, tudo. Eu sou mulher, só que biologicamente eu não sou mulher.


Jornal Criméia - Na sua adolescência como era por exemplo o seu dia a dia na escola?

Márcia – Quando eu estudava no Lyceu, me vestia normal, camisetinha, tênis e calça jeans, como toda garota. Se havia necessidade de pôr uma sainha, eu punha.


Jornal Criméia - Como era o seu relacionamento com os colegas? Por exemplo, na educação física parece que você teve problema.

Márcia – Eu não tinha como fazer educação física, porque eu não ia jogar futebol com os meninos. As meninas também não me aceitavam. Então eu ganhava presença até o final do ano e ficava sem fazer educação física. Com as meninas, não era nem uma questão de aceitar ou não. Biologicamente eu era homem, mais forte fisicamente, e psicologicamente mulher; então ficava difícil já que em muitas atividades se usava a força.


Jornal Criméia - Que tipo de situação preconceituosa que mais vem à memória em toda a sua história?

Márcia – A situação do banheiro é sempre uma coisa muito complicada, sempre quando me perguntam em situações constrangedoras, me lembro disso. Quando você vai em um banheiro hoje eu não tenho mais este tipo de problema, eu não sei se a sociedade evoluiu, ou se hoje eu já como uma senhora de 42 anos, o preconceito é menor; mas por exemplo, não tem jeito de eu entrar em um banheiro de homem, como que eu entro? Uma mulher em um banheiro de homem, eu vou assustar os outros. Naquela época que eu tinha 17, 18 anos, se eu entrasse em um banheiro de mulher eu assustava as mulheres, se eu entrasse em um banheiro de homens eu assustava os homens, quer dizer eu não tinha um banheiro para mim, então isto é muito complicado. Muitas vezes eu ficava com vontade de fazer xixi e não ia ao banheiro, porque eu não tinha um banheiro específico. E já aconteceu às vezes de ir em um banheiro coletivo e as pessoas, no banheiro das mulheres, me barrarem e não deixarem entrar e aí eu ia no banheiro dos homens e também não me deixavam entrar. Hoje não acontece mais isso, é coisa de anos atrás.


Jornal Criméia - Eu me lembro de você como Zezinho, é como você ficou conhecido na sua adolescência aqui no Criméia. Quando eu e a Arlene Rocha tínhamos o grupo Sandança de Arte Popular que trabalhava teatro e dança com os adolescentes do bairro e você chegou a participar de algumas atividades. A arte para você foi utilizada para libertar está opressão que você sentia na sua adolescência?

Márcia – Na verdade não tinha opressão no mundo da arte. O mundo gay ele é muito voltado para a arte, gay gosta de pintura, tudo que é arte gay gosta, então na época era o grupo de amigos que eu tinha que era voltado pra isso, não que eu procurei como refúgio, porque eu nunca tive problema em refugiar em alguma coisa, porque eu sabia muito bem o que eu queria.


Jornal Criméia - E sua relação com a sua família?

Márcia – Na minha família eu enfrentei meu pai, minha mãe, enfrentei todo mundo, eu não tinha refúgio, eu tinha medo...


Jornal Criméia - Eles questionavam a sua sexualidade?

Márcia- Questionavam, eu nasci homem e eles queriam que eu fosse homem, que eu tinha que seguir o que Deus criou, só que psicologicamente falando não era aquilo que eu queria pra mim, eu não sentia daquele jeito que eles queriam que eu vivesse.


Jornal Criméia - Mas você chegou a ser expulso de casa? Alguma coisa neste sentido?

Márcia – Não, nunca teve isso, graças a Deus eu fui muito bem criada, não teve este negócio de ser expulso de casa. Apesar de que pro pai é sempre mais difícil aceitar esta situação. O pai é sempre mais complicado. A mãe sempre lida melhor com esta situação, a mãe é sempre mais carinhosa, amorosa; a mãe sempre tenta esconder as coisas do pai, mas graças a Deus eu nunca tive problema com família grave desse jeito, tinha uma vida comum corriqueira com a família, como qualquer adolescente.


Jornal Criméia - Muita gente acaba sendo expulsa de casa, pela questão da opção pela homossexualidade.

Márcia – Por isto é que eu volto a falar na cultura, eu sou de uma família humilde, porém uma família boa.


Jornal Criméia - Como é a sua relação hoje com a sua família, a sua mãe e o seu pai?

Márcia – Como de qualquer mulher de 42 anos com uma família normal, sou respeitada, eu sou a Márcia, normal, um relacionamento normal.


Jornal Criméia - Falando em respeito, você conseguiu respeito aqui no Setor Criméia Leste, Conheço madames, senhoras do Crimeia Leste que se escandalizavam na época contigo e que hoje vem aqui no seu salão fazer o cabelo, se arrumar, trazem os netos e conversam com você naturalmente como uma mulher. Como é que você enxerga este respeito que você conquistou aqui no Setor Criméia Leste?

Márcia – Novamente eu volto a falar na cultura. Se ela é madame, ela é chique, se ela é chique, ela tem cultura, se ela tem cultura, ela não tem distinção, você não tem separação, homem, mulher. Ela vem aqui para arrumar o cabelo, a gente não vai ter intimidade, a gente não vai namorar, ela quer arrumar o cabelo, ela quer um profissional para arrumar o cabelo dela, e se ela vê o profissional como uma pessoa normal, quer dizer, eu não estou destratando ela.


Jornal Criméia - Mas antigamente o preconceito era muito forte com o homossexualismo, você conquistou isto, as pessoas reconhecem em você uma mulher.

Márcia – mas isto a gente luta para conseguir. Há pessoas que me vê como um homossexual. Hoje eu não me vejo como um homossexual, eu tenho cliente minha que fala assim “eu até esqueço que a Márcia não é mulher”. São detalhes que os outros nem lembram, eu não fico lembrando que eu sou gay o tempo todo, eu esqueço disso, eu só lembro que eu sou diferente quando têm pessoas que às vezes bate na minha campainha só pra me ver, quer chegar perto, me olhar. Quando eu tô no supermercado, as pessoas notam e dizem “Ah! É a Márcia”, aí o povo chega perto de mim pra poder me ver de perto, as pessoas estão sempre antenadas com alguns detalhes: quer olhar se você tem mão de homem, braço de homem, pernas de homem, as pessoas estão sempre procurando um detalhe de homem em mim. Então, quando as pessoas chegam e procuram este detalhe e não encontram, falam: “Ah!, ela é igual mulher”. Eu acho que é desinteressante pras pessoas ficarem procurando detalhes de homem em mim, eles não vão encontrar. É normal, a minha vida é normal como mulher.


Jornal Criméia - Eu conheço senhores também, que têm uma vida cultural diferente e que enxergam em você uma mulher. Falam assim. Nossa a Márcia é linda. Já não falam em você como um homossexual e dizem ter coragem de ficar com você. Como você lida com esta situação?

Márcia - Eu acho assim, normal, qualquer homem namoraria com qualquer mulher bonita. Mulher bonita ela atrai olhares de homem, de mulher, ela atrai a cobiça e a inveja. Então quando você está assim, em evidência...as pessoas só jogam pedras na fruta que tá madura, uma árvore que não dá fruto não é apedrejada. Então eu acho isso normal ser desejada. Agora depende muito Carlos do tipo de pessoa que tá te desejando. “Homem” quer qualquer coisa, não é porque eu sou bonita, porque eu sou cheirosa, que eu sou isso, que eu sou aquilo que ele está me desejando. Isto não me deixa vaidosa com este desejo de homens por mim não. O que às vezes aguça mais o desejo de um homem por uma pessoa como eu, é porque eu sou residente e domiciliada, e aí a pessoa tem vontade de sair com um travesti, mas onde que você vai encontrar ela? Você não encontra travesti de dia na rua, você só encontra de noite, como que você para o seu carro em um ponto de prostituição, coloca uma travesti desconhecida dentro do seu carro, ou seja, tá sujeito a um monte de escândalos que ela pode te trazer com aquele encontro. Comigo não, se ele conseguir sair comigo, ele vai sair, tendo a certeza de que eu não vou roubar, lesar, não vou fazer nada de maldade para ele; ou seja, ele vai ter momentos de prazer e mais nada. Só que eu tenho namorado, a minha vida íntima é uma vida de qualquer mulher de 42 anos que tem namorado, uma vida normal: casa, trabalho, faço os meus serviços domésticos, vou a supermercado, faço igual todo mundo faz.


Jornal Criméia - Márcia, como você se sente conquistando este respeito com toda a comunidade do setor? Já que o preconceito contra o homossexualismo ainda é muito forte na sociedade.

Márcia – Eu me sinto honrada. Eu acho o seguinte, o respeito, ele vem da forma que você se dá a ele. Eu respeito as pessoas, as pessoas me respeitam. Não tem motivos para as pessoas me desrespeitarem, sendo que eu sou uma pessoa séria: séria nos meus negócios, no meu trabalho, séria em todos os aspectos. Agora eu sinto pena das pessoas preconceituosas, elas não vão ter o privilégio de me conhecer e conversar comigo de perto.


Porque às vezes você como homem, mulher, qualquer ser humano está sujeito a viver esta situação dentro da própria casa. Se você é preconceituoso, uma pessoa homofóbica, você pode um dia ser pai, mãe, viver esta situação dentro da sua casa, então você tem que aprender a lidar com este tipo de coisa, porque um dia você pode viver esta situação com o seu filho, sobrinho, neto, e aí você vai saber como lidar com isso.

Eu já fui convidada para arrumar um pessoal em uma festa de casamento no interior. Era uma família do prefeito da cidade, a filha dele ia casar. Cancelaram o compromisso porque a gente era gay. Com o passar dos anos, hoje este senhor que não quis levar a gente, porque a gente era gay, tem três netos gays. Então hoje em dia você não está fora de acontecer isso na sua família.


Jornal Criméia - Você acha que esta questão da homofobia está diminuindo, ou seja, a sociedade está avançando contra o preconceito.

Márcia - Eu acho que não, a homofobia está muito ligada a falta de resolução com a sua sexualidade. Todo homem que é mal resolvido sexualmente, ele odeia gay, porque ele vê naquele gay o que ele gostaria de ser, que tinha vontade reprimida de ser, da coragem que a gente tem de ser homem e se vestir de mulher e ir para a rua. Ninguém tem nada com a minha vida. Ninguém paga as minhas contas. O meu imposto é igual ao de todo mundo que usa cueca, o meu que uso calcinha, é tudo igual. Então a homofobia está ligada a isso. Por exemplo, recentemente em uma cidade de um país que não me lembro agora, um juiz vetou várias leis que proporcionavam bem estar e ajudavam os homossexuais. Depois este mesmo juiz foi pego embriagado saindo de uma boate gay com um acompanhante. Ou seja, além de dirigir embriagado, ele estava saindo com um homossexual. Depois ele acabou assumindo publicamente que era homssexual. Então este é o retrato da homofobia. Homem bem resolvido sexualmente, ele usa camisa cor de rosa, ele tem amizade com gay, e quanto mais gay tiver, pra ele é melhor, mais mulher vai sobrar para ele.

Todo mundo tem o seu espaço. Eu cresci aprendendo o seguinte: o sol nasceu para todos, porém a sombra é para poucos. E eu tenho meu lugar à sombra. Se você não lutar você morre queimado no sol.

Jornal Criméia - Seu lugar na sombra é o seu trabalho no salão?

Márcia – É, a minha vida. Graças a Deus. Não tenho uma vida luxuosa, mas tenho uma vida com tudo que eu gostaria de ter. Moro bem, vivo bem. Como o que tenho vontade.


Jornal Criméia - Como é o seu relacionamento com as pessoas que vem aqui no salão?

Márcia – Eu tenho muitos clientes aqui no setor. Graças a Deus sou muito querida. As pessoas quando procuram o meu serviço, a primeira vez, elas ficam meio sem jeito de como me chamar, principalmente se ela me conhece há muito tempo, ela fica meio perdida. Se a pessoa me chama de Zezinho, por exemplo, eu sinto que não está falando comigo. É como se eu te chamasse de João, Carlos; você não chama João. Juridicamente falando, eu sou o José Antônio. É um nome que não é um nome de guerra que você gostaria de ter, mas é o que a sociedade gosta de ver em você, por exemplo: não é de bom tom você chegar em um banco, o gerente ser gay todo desmunhecado. As pessoas já não vêem com os mesmos olhos. Mas existe homossexualidade em todos os aspectos: na religião, existe com os pastores, na igreja católica, na política, no futebol, enfim, em todo lugar. Homossexual é uma coisa que ta aí pra todo mundo ver.


Jornal Criméia - Porque Márcia?

Márcia – Porque eu gosto. É um nome que soa bem para mim.


Jornal Criméia - Pedofilia. Como você vê o escândalo dos padres pedófilos?

Márcia – Isto é uma coisa que já existe há séculos. Todo mundo sabe disso. Só que quando se trata da igreja as pessoas tentam encobertar. Todo mundo sabe desta homossexualidade, e não é só na igreja católica, em vários outros lugares. A igreja protestante também inibe o homossexual de ser homossexual. Porque que você acha que nas religiões espíritas têm mais homossexual, porque o homossexual é mais bem vindo ali. Muitos dos pais de santos são homossexuais porque ele é bem quisto, ele é bem vindo naquela religião. Tem uma explicação porque eles são gays? Graça a Deus eu fui criado em uma religião que me vetou de ver como pecado o sexo. Porque em algumas religiões o sexo é pecado, então você é obrigado a fazer escondido.


Jornal Criméia - Você é espírita?

Márcia - Não, não sou espírita. Eu sou uma pessoa que tem Deus no coração, eu acho que Deus é amor. Igreja. Eu vou à igreja, eu vou à igreja católica, na igreja evangélica, em todo o tipo de igreja. Eu não tenho preconceito, mas eu vejo a igreja, hoje em dia, uma instituição comercial; não vejo uma coisa que me leva a Deus. Uma coisa que me leva a Deus é o meu dia a dia. É o meu contato com as pessoas.


Jornal Criméia - A questão da Pedofilia?

Márcia - Eu acho a pedofilia uma anomalia da mentalidade. Porquê como você pode entender uma pessoa, vamos supor um homem de trinta anos, ter tesão por uma menina de cinco anos. Casos mal resolvidos na infância, determinados tipos de problemas não resolvidos, então ele busca este tipo de sexo porque ali, com aquela criança, ele vai mandar e a criança vai respeitar. Eu acho que esta pessoa tem que ser tratada.


Jornal Criméia - Você acredita que a sociedade vai melhorar em relação a esta questão do preconceito contra os homossexuais? A tendência da sociedade é evoluir em relação a esta questão?

Márcia - Como o próprio nome já diz. Preconceito. A gente tem mania de fazer conceito de coisas que a gente não conhece. Sempre vai existir o preconceito contra o negro, contra o gordo, contra a mulher separada, contra o gay, contra o baixinho; existe preconceito de todas as formas, e se a gente não falar de gay, de loira, do português, a gente vai rir do quê? As pessoas, às vezes, levam a vida muito a ferro e fogo. Você não pode nem olhar que já está brigando. Por que não pode me olhar? Eu me arrumo, me perfumo, me penteio toda pra sair na rua, se um homem me olhar e mexer comigo, eu correr e brigar com ele porque eu me arrumei tanto daquele jeito? Agora existem maneiras e maneiras de mexer. Por exemplo: um homem mexe comigo de uma maneira, vulgarmente falando, eu vou ficar chateada, mas não vou lá brigar com ele porque senão eu também estaria me vulgarizando assim como ele. Agora um galanteio diferente vai por a prova que eu ainda estou bem na fita, que eu estou bonita, cheirosa, charmosa. Não vejo este preconceito que o povo fala. O povo fala mais do preconceito do que eu vejo. Eu não vejo este preconceito comigo não.


Jornal Criméia - Com você não vê, no geral o preconceito ainda é muito grande contra o homossexual.

Márcia - Eu sinto que não tem preconceito com a minha pessoa, com a minha vida, porque eu me dou o respeito. Hoje eu frequento bons lugares, casa de família, eu frequento tudo quanto é lugar. Nunca me senti barrada ou ofendida por ir ou não ir em determinado lugar porque sou gay. Eu posso ir ou não ir em determinado lugar porque às vezes não quis ir, ou não fui convidada, não tive dinheiro para ir, mas não por causa da minha homossexualidade; eu não vou para transar com quem está lá. Eu vou lá pra levar alegria e, o sinônimo da palavra gay, é alegria.


Jornal Criméia - Em Uganda, na África, foi proposta uma lei para punir com pena de morte o homossexualismo. No oriente médio a repressão também é muito grande. Como você vê esta questão em todo o mundo?

Márcia – Ainda bem que eu não nasci lá, nestes lugares onde a repressão contra o homosexual é maior. É um mundo muito machista.


Jornal Criméia - Você não se preocupa com esta repressão ao homossexualismo em outros países?

Márcia – É cultural. A gente tem repressão em todas as áreas da vida. Então é a cultura deles dentro de um mundo machista.


Jornal Criméia - Mas você não acha isto um absurdo?

Márcia – Claro que é um absurdo. Não só eu como homossexual, mas todo mundo que respeita as diferenças, acha isto um absurdo, ou você não acha?


Jornal Criméia - Claro que acho. Mas o que eu quero saber é o que você sente com a discriminação contra o homossexual em outros países.

Márcia - Eu fico feliz de ser brasileira, de ter nascido no Brasil, de ter o direito de ir e vir.


Jornal Criméia - Uma curiosidade. Eu como jornalista tenho que fazer a pergunta e você responde se achar conveniente. Quando as pessoas comentam sobre você elas especulam muito sobre uma cirurgia de mudança de sexo. Você fez ou não esta cirurgia?

Márcia Não, não fiz. Eu sou contra a cirurgia de mudança de sexo, eu acho uma mutilação. Não fiz e não faria jamais.


Jornal Criméia - Como você vê esta curiosidade dos moradores do Criméia com esta questão?

Márcia – Quando a gente fala em ser mulher, as pessoas entendem na íntegra que você fez uma cirurgia, mas ser mulher não é não ter uma genitália; ser mulher é uma questão de psicologia, psicologicamente eu sou mulher. Não quer dizer que eu não fiz a cirurgia que eu não sou mulher; eu penso como mulher, ajo como mulher e vivo como mulher, e não sou operada. Agora as pessoas falarem, elas têm sempre uma tendência de falar que viu, que sabe...quantas coisas o povo fala que já viu e que não aconteceu. Eu acho bom isso. Adoro o povo falar de mim, adoro estar na boca do povo, odeio estar esquecida, odeio ninguém lembrar ou falar de mim. É muito ruim isso, é coisa de gente depressiva, eu adoro estar na boca do povo.


Jornal Criméia - Alguma coisa a mais que você gostaria de dizer que não foi dito até agora?

Márcia –Às vezes quando a gente é criança, a família da gente cria a gente de uma maneira que é o que a gente nasceu, mas muitas vezes isso não condiz com o que a gente quer, eu só queria falar para os pais que tem filho assim, pras mães, as famílias que tem filho com esta tendência homossexual, que é como se você gostasse de macarrão com molho vermelho e macarrão com molho branco; a personalidade da pessoa, a responsabilidade da pessoa, não muda com a sexualidade, o que muda com a sexualidade é se o pai e a mãe não tiver a irresponsabilidade de colocar o filho pra fora, aí sim ele vai encontrar um outro mundo bem mais cruel. A minha personalidade é independente da minha sexualidade.

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Apresentação:


“Este projeto foi contemplado pelo Edital de Arte nos Pontos de Cultura Aldir Blanc - Concurso nº 02/2021-SECULT-GOIÁS – Secretaria de Cultura - Governo Federal".








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